Não é de hoje que se procura saber quais são as causas dos acidentes de trabalho. Já em 1931 o engenheiro americano Herbert Heinrich publicou o livro “Prevenção de Acidentes Industriais”, onde afirmava, com base no estudo de 420 mil casos, que 88% dos acidentes de trabalho tinham como causa o comportamento dos trabalhadores e apresentava a teoria (Teoria dos Dominós) de que a “personalidade” dos operários era a causa raiz da maior parte dos acidentes de trabalho.
Nos anos 90, um grupo de pesquisadores contestou a metodologia do estudo de Heinrich e identificou que o engenheiro, que na época trabalhava para uma seguradora que indenizava acidentes de trabalho, pesquisou a causa dos acidentes mandando um questionário para as empresas, onde perguntava qual tinha sido a causa do acidente, se havia sido falha da empresa, do trabalhador ou “causas naturais”. A responsabilização do trabalhador, sem dúvida, era a melhor resposta que as empresas poderiam dar para se isentarem dos custos relacionados aos acidentes. Com essa constatação ruiu a credibilidade da pesquisa e ganhou força o estudo do pesquisador inglês James Reason, que abordou a análise de acidentes explicitando os conceitos de falhas comportamentais e organizacionais.
A partir dos trabalhos de Reason, diversos casos até então considerados como de causa comportamental passaram a ser compreendidos como resultados de falhas organizacionais. Por exemplo, um acidente sofrido por um trabalhador que estivesse fazendo uma tarefa para a qual não estava capacitado passou a ser classificado como um acidente com causa organizacional porque a empresa é responsável por atribuir tarefas e conhecer as competências dos trabalhadores para quem atribui atividades. Também passou a ser considerada como causa organizacional, o acidente que resulta da pressa do trabalhador nos casos em que a empresa exige que ele acelere o ritmo.
O não uso de EPI
Outro caso bem comum que sempre era tratado como falha comportamental é o acidente sofrido pelo não uso de Equipamentos de Proteção, como a situação do operador que sofre lesão no olho causada por fragmento metálico ao trabalhar com esmeril, estando sem óculos de proteção, nos casos em que isso ocorre na presença do encarregado, entendendo-se que é responsabilidade da empresa exigir o cumprimento das normas de segurança. Reason lembra que, se existe regra da empresa para uso de determinado EPI e o encarregado vê o empregado trabalhando sem o equipamento e nada faz, ele está desautorizando a regra escrita e criando nova regra e, portanto, isto é uma falha da organização.
O estudo de Reason, ao tratar das falhas comportamentais, enfatiza a diferença entre erro e violação. Erros podem ser falhas psicomotoras, como dar uma martelada no dedo, ou cognitivas, como ser prensado por uma carga por apertar o botão azul para levantar a ponte rolante, quando, de fato, o botão amarelo é o que a levanta. Erros são sempre ações sem a intenção do resultado.
Já as violações são ações que contrariam as regras e têm o objetivo de economizar esforço, ganhar tempo, aparecer para o chefe ou para os colegas. Violações sempre são intencionais porém, se a empresa, através do chefe, presencia a violação e não reprime, temos um caso de apoio à continuação da violação e isso passa a ser um problema organizacional. Ainda pior é o estímulo que a liderança faz às violações quando promove ou recompensa os empregados mais audazes, mesmo que contrariem regras de segurança.
Em 2010, criei uma metodologia de classificação de causas de acidentes e, com a ajuda de colegas engenheiros de segurança, foram estudados 100 casos de acidentes ocorridos em empresas onde trabalhei e sobre os quais existia farta documentação. Encontramos 57% de causas claramente organizacionais, como falhas em equipamentos, processos inadequados, entre outros. Encontramos 43% de casos em que a causa principal do acidente foi o comportamento do acidentado, entre as quais somente 6% foram classificadas como violações, portanto 37% foram erros.
Esta conclusão é muito alentadora para quem trabalha com prevenção, pois mostra que 94% dos acidentes podem ser controlados com ações de envolvimento da gestão da empresa na prevenção de acidentes e com a redução das condições para a produção de erros.
A demonstração de interesse da alta administração pela segurança é o suficiente para mobilizar todos os níveis de gestão para o apoio à prevenção. A eliminação da condição de produção de erros que podem resultar em acidentes é feita pela análise permanente das condições de trabalho e com investimentos em melhoria em equipamentos e processos e também na continuada capacitação dos trabalhadores. Os restantes (ou 6% dos acidentes) poderiam ser evitados através de políticas disciplinares claras e justas. Sobre justiça nas organizações e segurança no trabalho falaremos em outro momento.
Referências:
HEINRICH, H. W. Industrial accident prevention: a scientific approach, New York, McGraw-Hill Book Company, 1950.
REASON, J. Human Error, New York, Cambridge Press, 1990.
REASON, J. Managing the risks organizational accidents. Ashgate, Burlington, 1997.
SLAVUTZKI, L.C. Metodologia para Avaliação e Classificação de Causas de Acidentes do Trabalho. Dissertação de Mestrado no Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Produção. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. 2010
Fonte: Luis Carlos Slavutzki, professor do curso de Pós-Graduação em Medicina do Trabalho da Faculdade IBCMED, Engenheiro Mecânico de Segurança do Trabalho, professor do curso de Engenharia de Segurança, consultor de empresas e Perito da Justiça do Trabalho (TRT4).