O Dr. Sander Fridman, professor da Pós-Graduação lato sensu em Psiquiatria da Faculdade IBCMED, acaba de ser entrevistado pelo Jornal O Globo, sobre o recente massacre de jovens estudantes em uma escola na cidade de Suzano, interior de São Paulo. Abaixo, leia a entrevista na íntegra:
Repórter: Um adolescente, de 16 anos, foi apreendido pela polícia carioca, no Centro do Rio de Janeiro. O rapaz era suspeito de planejar um ataque a uma escola estadual, a mesma onde estudou até o ano passado. Recentemente assistimos a um massacre de alunos na cidade de Suzano, em São Paulo. Qual o mecanismo pelo qual estes fatos parecem tender a se repetir?
Dr. Sander: Repetição é a essência do comportamento humano. Aquilo que pareceu funcionar para um, o outro irá imitar. Aquilo que pareceu funcionar para alguém, ele ou ela tenderá a repetir.
Repórter: Por que fatos de repercussão, como o que aconteceu em Suzano-SP, acabam inspirando situações semelhantes em outras pessoas?
Dr. Sander: A identificação via experiência emocional e/ou via motivações facilita a reprodução de comportamentos entre afins. A facilidade para levar a cabo o plano – acesso aos meios, previsibilidade do processo – estimula igualmente sua reprodução.
Repórter: Necessariamente, quem tende a repetir tem algum problema de saúde mental?
Dr. Sander: A disposição para pagar os custos altíssimos de um ato deste tipo (pagando especificamente com a própria vida) demonstra o grau de dor e sofrimento que o motivam. Se a presença de dor e sofrimento insuportáveis denota alguma forma de adoecimento, então sim, um ato como este, e até mesmo sua preparação, poderá indicar a presença de alguma forma de adoecimento. Agora, todo adoecimento decorre de um encontro entre estruturas e fatos sociais, psicoemocionais e biopsíquicos. Diferentes pessoas, por diversas razões, reagem diferentemente a fatos idênticos. Mas numa dimensão sociológica, um grupo de pessoas, mesmo que minoritário, espalhadas e isoladas em meio à sociedade, poderão coincidir em certas inclinações ou tipos de reações. E a tendência, embora rara, deverá eventualmente eclodir.
Repórter: Geralmente, quem se propõe a cometer um tal ato é ou foi vítima de bullying? Ou de algum trauma?
Dr. Sander: No caso de Suzano, os homicidas pareciam estar executando aqueles que julgavam devedores de punição: a homogeneidade da idade das vítimas, a prevalência maior de meninos de idade próxima ao adolescente que havia recentemente abandonado a escola, supostamente por sofrer bullying, a execução da “orientadora pedagógica”, o fato de terem cruzado com, e poupado, a responsável pela biblioteca, de quem aparentemente gostavam… Estes fatos indicam um critério na escolha das vítimas, e não apenas um massacre a esmo. Indica contas a ajustar com elementos específicos. Mas isso não é em si suficiente para atribuírem-se os fatos a uma experiência de bullying/assédio moral real por parte do referido adolescente homicida. Por exemplo, percepções delirantes paranoides (doença mental) podem criar no sujeito a certeza equivocada de ser perseguido, maltratado, discriminado ao ponto do ódio mortal, levando até ao convencimento revoltado de amigos, levando a atos deste tipo.
Repórter: O que se pode fazer para evitar isso? Orientação psicológica escolar de um modo mais intenso, por exemplo?
Dr. Sander: Meninos como o recente apreendido, ainda com vida, em fase de preparativos, diferente de outros casos que restaram mortos, talvez possam nos ensinar mais sobre o problema, e nos ajudar a melhor entender e prevenir fatos trágicos como estes. Mas a luta contra o bullying/assédio moral segue muito morosa, e a indisponibilidade de atendimento psiquiátrico precoce a crianças, adolescentes e seus familiares, em contextos de sofrimento psíquico, são fatores que, supridos, reduziriam as chances de ocorrência de tragédias como esta, melhorando a qualidade da experiência emocional e social na escola de grande número de crianças e adolescentes, vítimas, envolvidas, e autoras (bullies). A existência nas escolas de pessoas em condições de oferecer resistência efetiva, armada, reduziria as chances de uma tal catástrofe se repetir nestes níveis. Por que o dinheiro nos bancos é tão bem guardado por vigilâncias armados, enquanto nossas crianças, nossos maiores tesouros, são tão pouco protegidos?
O Dr. Sander Fridman possui experiência em neuropsiquiatria, psicanálise cognitivista e psiquiatria forense. Mestre e Doutor em Psiquiatria pela UFRJ.
Leia a matéria completa, publicada no último dia 19 de março: https://oglobo.globo.com/rio/mae-nao-sabia-que-suspeito-de-planejar-ataque-usava-internet-para-pesquisar-crimes-23532748