Por Ana Canosa
Alguns estudos (em especial nos Estados Unidos e em alguns países da Ásia e da Europa) têm apontado a diminuição da atividade sexual das pessoas em geral, principalmente na faixa etária da juventude. É um paradoxo, haja vista que nunca tivemos tanta informação sobre sexualidade e o sexo é menos circunscrito a regras pré-estabelecidas e impedimentos morais. Na maior parte das culturas, não é preciso ser virgem para casar, aliás não é preciso casar, menos ainda em formatos monogâmicos e heteronormativos. O sexo casual veio a favorecer experiências e os aplicativos de relacionamento, facilitar os encontros. Então, o que estaria acontecendo?
Uma das hipóteses apontadas pelos pesquisadores (dentre várias, como o excesso de erotização, o uso da pornografia e a masturbação) é a falta da formação do par. Os jovens não namoram mais. Movidos pela fluidez dos relacionamentos, pelas aspirações profissionais e pessoais, têm mais dificuldade de comprometer-se; algo que projetam para o futuro. O namoro parece que está fora de moda. Muitas vezes, é encarado como um “peso”, um impedimento de viver mil experiências, o catalisador do FOMO (fear of missing out – a sensação de estar perdendo alguma coisa). Mas a falta de “namoro” também é a queixa dos casados, agora não como modelo de relacionamento, mas como significado de interesse pela pessoa do outro: “sinto falta de como era no início”, “fazíamos muito sexo na época do namoro”. Se o significado da palavra namorar é inspirar (amor) a alguém, parece que nossa carência está aí.
Roberto Freire e Fausto Brito, em seu livro “Utopia e Paixão – A Política do Cotidiano”, apresentam algumas concepções sobre amor, paixão, sedução e namoro que muito me agradam. A primeira que me chamou a atenção foi relativa ao amor. Estamos acostumados a entender o amor como um sentimento que vai aparecer depois da paixão, algo que amadurece com o tempo, que nasce de uma relação de intimidade e que se transforma com o fim do entusiasmo arrebatador, característico do início das relações. Para Freire e Brito, o amor antecede a paixão, é de graça e vem pronto, com a vida; já a sedução e a paixão são criações do homem, formas que ele inventa para que ame melhor e mais, tudo a que ele tem direito.
A paixão é como uma energia intensificadora, que deixa o amor maior ou menor; ela não é o amor, mas algo que aplicamos sobre ou dentro do amor, mudando seu estado; não sua natureza. A paixão passa a existir no ser humano quase como necessidade vital, é o que nos distingue do outro; a paixão nos faz sentir vivos, diferentes. Nós não precisamos aprender a nos apaixonar, mas a deixar nos apaixonar.
Assim, a paixão tem a ver com a liberdade e somos obrigados a conquistá-la. A paixão move o ser humano a seduzir o outro, a conquistá-lo, a buscar proximidade, a lutar pela parceria, a namorar.
E o que dizermos deste, o namoro, essa necessidade humana de estabelecer vínculo e compartilhamento com um par? O namoro, diferentemente do ficar, envolveria em nossa concepção, uma focalização da sedução, uma direção sempre conhecida da energia e da paixão para um objeto de amor específico. Mas este é o namoro como produção cultural, que se apresenta assim como algo que estreita, no que deveria ser o que nos liberta. Porque, para muitos, pode bastar apenas um homem ou uma mulher para a satisfação afetiva-sexual, mas isso não significa, necessariamente, que não possamos namorar outras pessoas.
Nós “namoramos” amigos, a mãe, o pai, o irmão; podemos “namorar” os colegas de trabalho, quando isso implica em seduzir e transformar as relações em vínculos mais interessantes do que o simples existir. Namorar ou seduzir, segundo os autores, não tem nada a ver com amar, embora certas seduções e alguns namoros possam resultar em amor. Quando se namora bem, se ama melhor. Quando só namoramos um, o amor fica aprisionado e, portanto, comprometido. Torna-se ciumento, possessivo, pobre.
Para amar é preciso ser livre! Pior ainda quando esquecemos de “namorar” nossos namorados, maridos, esposas. Gostaria de ir além nesta reflexão, para associar mais um sentimento à experiência amorosa: saudade. Quanto mais amamos bem, mais saudade temos desse amor. Mario Prata descreve em sua crônica “Sentimentos” que a “…saudade é quando o momento tenta fugir da lembrança para acontecer de novo e não consegue”. Quantos momentos tentam fugir da lembrança, diariamente, para acontecer, mais uma vez… por favor, mais uma só!
A sexualidade, antes de ser investida da paixão, da sedução e se transformar em namoro, é constituída de saudade. Todas as nossas buscas de satisfação nasceram do registro da primeira experiência boa que ficou na lembrança, que deixou marcas e que tenta capturar o mesmo sentido, a mesma apreensão, o mesmo prazer que outrora fez o corpo sorrir. Nós estamos, a todo tempo, recordando a imagem corporal, o momento que foi, a viagem inesquecível, a atualização do ideal de amor, aquele orgasmo.
Muitas vezes, esquecidos do namoro cotidiano, não nos contentamos com o real, nem atualizamos as imagens e vivências. Melancolicamente vivendo relações sem namoro, a saudade assume proporções tão intensas que desequilibra duas forças em constante embate: paixão ou falta; vida ou morte. Quando a saudade revive a necessidade do enamoramento, então, ela mobiliza para a busca da vida afetiva e a sexualidade se recria, se constrói. Tendo amado bem e vivenciado algumas prazerosas sensações, a saudade se mobiliza a encontrar novas emoções, oriundas da primeira, mas não apenas sua reprodução; do contrário, quando ela não suporta não acontecer da mesma forma, a saudade morre, se deprime, se encerra em si mesma e a sexualidade adoece.
Ponha-se a namorar direito nessa vida, porque é como eu sempre digo: Sem Tesão não há salvação!
Autora: Ana Canosa é Psicóloga. Especialista em Educação em sexualidade e Terapia sexual. Coordenadora do curso de Pós-Graduação em Sexologia Clínica da Faculdade IBCMED. Diretora de publicações da Sociedade Brasileira de Estudos em Sexualidade Humana (SBRASH)